segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

AFINAL, O QUE É SER MINEIRO?

AFINAL, O QUE É SER MINEIRO?
Ser mineiro é esperar pela cor da fumaça.
É dormir no chão pra não cair da cama.
É plantar verde pra colher maduro.
É não meter a mão na cumbuca.
É não ter passo maior que as pernas.
É não amarrar cachorro com linguiça.
Porque mineiro não prega prego sem estopa.
Mineiro não perde trem.
Mas compra bonde.
Compra.
E vende pra paulista como locomotiva.
O mineiro é um nômade.
Primeiro em sua própria terra.
Mas o mineiro não emigra como o nordestino,
com a intenção de voltar.
Como um índio, quando o mineiro parte,
leva a família, os animais, as sementes,
a saudade e um pedaço de queijo.
Dos bandeirantes, o mineiro recebeu
o amor à independência,
a altivez, a energia e a tenacidade.
O mineiro é montanhês, desconfiado e contemplativo,
cauteloso e frio, lento e impassível.
Aos pregoeiros de novidades e grandezas,
responde com um risco de ironia
ou balança os ombros: “Hum!”
Dos judeus tirou, ou melhor, herdou os hábitos e poupança:
- ... Como vão as coisas?
- ... Mais ou menos, pelejando!
Mineiro não diz que está “tudo bem”,
senão vão lhe pedir dinheiro emprestado.
Sê besta sô!
Antes de organizarem bancos
e se tornarem exímios banqueiros e agiotas,
os mineiros já tinham o hábito de pôr
dinheiro no colchão.
Evém o mineiro.
Conheço pelo jeito, pela maneira de falar
e de se situar perante o mundo.
O mineiro é desconfiado, introvertido, tradicionalista.
Concilia a ingenuidade com a perspicácia.
É muito econômico e,
paradoxalmente, extremamente hospitaleiro.
- ... 1000 mineiros não causam o incômodo
de 10 baianos.
Os mineiros não gritam, não empurram, não impõem suas
opiniões (guardam-nas pras horas certas).
- ... O importuno é chamado “entrão”!
- ... E quando mineiro enfeza, caixão sobe de preço!
Sendo assim, o mineiro há.
Essa raça ou variedade que,
faz tempo, acharam que existia.
Se esse mineiro existe,
tem de falar um idioma próprio, restrito.
- ... Até falo e escrevo o mineiro muito bem;
- ... É uma língua sem segredos para mim.
A mulher e os meninos na estação de trem:
- “... Mininos, pega os “trem” que lá vem a “coisa”!
São tantas as Minas, porém o contudo uma.
- ... O que determina o mineiro, este homem em estado minasgerais?
- ... Um estado de nariz imenso, um estado de espírito, um jeito de ser:
Manhoso, ladino, cauteloso, desconfiado.
Prudência e capitalização.
Se olhar no dicionário, mineiro é sinônimo de:
Acanhado, afável, amante da liberdade,
amante da ordem, anti-romântico (?),
benevolente, bondoso, caladão, comedido,
canhestro, cordato, confia-desconfiando,
disciplinado, desinteressado (?),
escrupuloso, econômico, equilibrado...
Os mineiros quando se encontramna rua,
eles se detém um instante e
- como duas forminguinhas que se cumprimentam –
cumprem um rito exclusivamente mineiro:
ficam sussurando.
O mais que eles falam é segredo mineiro:
suspeita-se que debaixo do maior sigilo,
comentam sobre:
“as gentes” da Bahia,
“as coisas” do Riojaneiro,
“uns trecos” do Sumpaulo,
e outros “países” estranhos
e certamente bárbaros.
Tramam ocupar novos territórios
No Espritosanto
ou sonham com um porto do mar.
- Quem sabe o que eles conversam...
O mineiro é um
silencioso, precavido,
confidente, manifestante,
afetuoso, enrustido,
hospitaleiro, manhoso,
introvertido, murmurante,
simplório, memoralista,
canhestro, recatado,
ladino, cauteloso.
- ... O mineiro é um pão-duro!
- ... Meu filho, ouça bem seu pai:
se sair à rua, leve o guarda-chuva,
mas não leve dinheiro;
se levar, não entre em lugar nenhum;
se entrar, não faça despesa alguma;
se fizer, não puxe a carteira;
se puxar, não pague;
se pagar, pague somente a sua;
e não esqueça o troco.
O mineiro é um biógrafo de sua sociedade
como se fosse um autobiógrafo de si mesmo.
Mineirismo, Mineirice, Mineiridade.
Não gosto muito da expressão mineiridade,
prefiro mineirice,
que me lembra mais um golpe, uma rasteira.
Mineiridade é coisa muito solene,
parece brasilidade, lembra Hino à Bandeira.
- É bom mesmo o cafezinho daqui, meu amigo?
- Sei dizer, não senhor: não tomo café.
- Você é o dono do café e não sabe dizer?
- Ninguém tem reclamado dele, não senhor.
- Então me dê café com leite, pão e manteiga.
- Café com leite só se for sem leite.
- Não tem leite?
- Hoje, não senhor.
- Por que hoje não?
- Porque hoje o leiteiro não veio.
- Ontem ele veio?
- Ontem não.
- Quando é que ele vem?
- Tem dia certo, não senhor; às vezes vem, às vezes não vem. Só que no dia
que devia vir, em geral não vem.
- Mas ali fora está escrito “Leiteria”.
- Ah, isto está, sim senhor.
- Quando é que tem leite?
- Quando o leiteiro vem.
- Tem ali um sujeito comendo coalhada. É feita de que?
- O que: coalhada?
- Então o senhor não sabe de que é feita a coalhada?
- Está bem, você ganhou. Me traz um café com leite sem leite.
- Escuta uma coisa: como é que vai indo a política aqui na sua cidade?
- Sei dizer, não senhor. Eu não sou daqui.
- E a quanto tempo você mora aqui?
- Vai pra uns 15 anos. Isto é, num posso agarantir com certeza: um pouco
mais, um pouco menos.
- Já dava pra saber como vai indo a situação, não acha?
- Ah, o senhor fala a situação? Dizem que vai bem.
- Para que partido?
- Para todos os partidos parece.
- Eu gostaria de saber quem é que vai ganhar a eleição aqui.
- Eu também gostaria. Uns falam que é um, outros falam que é outro.
- E o prefeito?
- Que é que tem o prefeito?
- Que tal é o prefeito daqui?
- O prefeito? É tal e qual falam dele.
- E o que é que falam dele?
- Dele? Uai, essas coisas que falam de tudo quanto é prefeito.
- Você certamente, já tem candidato.
- Quem eu? Tô esperando as plataformas...
- Mas tem ali o retrato de um candidato pendurado na parede, que história é
essa?
- Aonde, ali? Ué, gente: penduraram isso aí...
Dos mineiros ainda se poderá esperar também, quiçá,
o equilíbrio, a ponderação, a palavra de paz,
o desejo de síntese, a lógica e a verdade...
Nossa proclamada habilidade (muito exagerada)
Nossa discreta prudência (nem sempre real)
Nosso equilíbrio (às vezes fictício)
Nossa malícia (frequentemente inventada)
Compõem um todo que chama atenção
(mas provoca desconfiança)
Montes Claros dá toucinho
Bocaiúva dá feijão
Buenópolis dá dinheiro
Diamantina dá pifão.
Mas todos os princípios se desmoronam diante de
um lombo de porco com rodelas de limão,
tutu de feijão com torresmo,
lingüiça frita com mandioca...
De sobremesa: goiabada cascão com queijo palmira.
Depois: cafezinho requentado com requeijão.
- Aceita um pão com queijo? Biscoito de polvilho? Uma brevidade? Ou quem
sabe uma broinha de fubá?
- Não, dona, obrigado. As quitandas me apetecem, mas prefiro um golinho de
“januária”, ou um desses licores, e pronto! Estou “satisfeito”...
Depois da refeição vem uma preguiça danada,
uma vontade louca de ficar esticado na cadeira de descanso,
sem um movimento, sem um pensamento:
- ... 2 é bão, 3 é comício.
- ... Devagar que eu tenho pressa.
- ... Mais vale um pássaro na mão...
- ... Se melhorá, piora.
- ... Êta, vidinha mais ou menos.
- Afinal, que é o mineiro?
- Mineiro? é aquele que:
- não fala, cochicha;
- não olha, espia;
- não presta atenção, vigia só;
- não espera, vai andando;
- não conspira, combina;
- não diz, sussurra;
- não se vinga, espera;
- não ataca, tocaia;
- não dorme, cochila;
- não conversa, confabula;
- não dá, empresta (a juros);
- não enlouquece, piora;
- não pensa, matuta;
- não tem patrão, tem padrinho;
- não acredita, desconfia que;
- não senta, encosta;
- não acusa, confidência;
- não responde, sacode o ombro;
- não bebe, toma;
- não come, mastiga;
- não treme, arrepia;
- não relaxa, espreguiça;
- não guarda, esconde;
- não procura, acha;
- não poupa, junta;
- não pergunta, especula;
- não cai, escorrega;
- não corre, atalha;
- não convive, mora junto;
- não vive, vai levando;
- mineiro não morre, passa.
- ... E o que é que você deduz da vida?
- ... A vida... Hum... a vida é um sutiã!
- Por quê?
- Porque a gente tem é que meter os peito!
É, então o mineiro há, uai!

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